Deltan: "padrão apavorante" do STF

O ex-procurador Deltan Dallagnol destacou nesta quinta os documentos que o Congresso americano revelou sobre a censura exercida sobre o X no Brasil desde a época em que era Twitter. Eles mostram que, pelo menos desde 2022 o STF e o TSE mandaram suspender ou remover quase 150 contas.

"Essencialmente censurando previamente todas essas pessoas, já que elas ficaram impossibilitadas de postar, o equivalente medieval a cortar a língua de alguém", definiu Dallagnol. O relatório descreve com espanto como o STF violou o sistema acusatório e o devido processo legal com o inquérito das fake news.

"Em 2019, o Supremo Tribunal Federal concedeu a si mesmo poderes para 'agir como investigador, procurador e juiz ao mesmo tempo em alguns casos'. O presidente do STF, Dias Toffoli, 'expediu uma ordem dando à própria Suprema Corte a autoridade de abrir uma investigação".

"Em uma ordem de 13 de junho de 2023 Moraes ordenou a censura de Bruno Aiub, um YouTuber e podcaster da Rumble que utiliza o apelido 'Monark'. Na ordem, Moraes notou que apesar de uma ordem anterior sua determinando o banimento de Monark de todas as maiores plataformas de rede sociais, Aiub havia criado novas contas e canais".

"Moraes estava particularmente irritado que Aiub alegadamente 'espalhou fake news sobre as ações deste STF e do TSE'. Especificamente, Moraes se incomodou com falas de Aiub contra o próprio Moraes: 'Nós vemos o TSE censurando as pessoas, nós vemos Alexandre de Moraes prendendo as pessoas'. Em outras palavras, Moraes ordenou a censura de um cidadão brasileiro por criticar Moraes por censurar brasileiros".

Para o Comitê, o STF violou o direito fundamental de Monark ao trabalho e à subsistência pessoal, já que o baniu das plataformas, onde exerce seu trabalho como podcaster e produtor, o que também viola o princípio constitucional da dignidade humana e a lei que proíbe a penhora de instrumentos de trabalho.

Monark hoje mora nos Estados Unidos, onde se autoexilou depois de ser alvo das decisões de Moraes que o impediram de trabalhar no Brasil e que determinaram até mesmo o bloqueio judicial de suas contas bancárias e de seu patrimônio.

Para Dallagnol, lendo o relatório sobre os ataques à liberdade de expressão no Brasil, "uma análise jurídica inicial revela um padrão apavorante nas decisões do ministro Alexandre de Moraes".

Ele destaca que em várias decisões Moraes parece ter decidido depois de provocação da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE (AEED/TSE), "um órgão obscuro criado em 2019 para 'combater a desinformação'", lembra.

"Na prática, esse órgão aparentemente monitorou a internet e as redes sociais para identificar qualquer postagem crítica ao TSE, aos seus ministros e ao processo eleitoral, peticionando diretamente ao ministro na sequência, ao que Moraes expedia decisões de ofício".

"Nesses casos, parece ter havido uma atuação indevida do órgão, como se ele estivesse substituindo a Procuradoria-Geral da República, órgão legitimado a peticionar perante o STF em matéria penal. Não me recordo de nenhuma lei que dê poder postulatório (de pedir em juízo) a esse órgão.

"Pelo menos no caso Monark, Moraes decidiu de ofício no Inquérito nº 4.923/DF, em trâmite no Supremo, depois de provocação da AEED/TSE. Que legitimidade tem a AEED/TSE para peticionar em um inquérito criminal no Supremo? Ela não foi criada para combater desinformação apenas no processo eleitoral?"

"Qual é exatamente o regramento legal que autorizou a criação desse órgão? Quais são os critérios utilizados na busca e identificação de contas e postagens? Quem são os servidores públicos responsáveis por essa atividade? Qual o órgão de controle que fiscaliza o que eles fazem?"

"Nada disso está imediatamente claro, trazendo uma sensação gigantesca de falta de transparência e de violação do princípio da legalidade estrita, segundo o qual o Estado só pode agir de acordo com o que a lei autoriza", completa o ex-precurador da Lava Jato.

"Em alguns casos, foram revelados apenas os ofícios com a ordem de derrubada das contas, sem as decisões judiciais fundamentadas. É preciso saber: Moraes enviava apenas o ofício ao X ou também a decisão na íntegra? O X não era parte dos processos, mas como terceiro interessado tinha direito a recorrer caso acreditasse que as ordens eram ilegais".

"Os próprios ofícios com ordens de derrubada total de contas em diversas redes sociais parecem ter uma ilegalidade flagrante: o Marco Civil da Internet, em seu art. 19, prevê que as decisões judiciais só podem derrubar o conteúdo considerado ilegal, não havendo previsão para derrubada da conta inteira".

Dallagnol expllica que Isso viola o direito fundamental à liberdade de expressão e caracteriza censura, o que está, inclusive, claramente expresso na redação do artigo 19: "Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário".

"Os ofícios também parecem conter apenas os links dos perfis das contas, corroborando que as ordens eram para derrubar a conta inteira, o que consta inclusive no texto dos ofícios" que davam a Discord, Meta, Rumble, Telegram E Twitter das) horas para fazer o bloqueio, sob pena de multa diária de R$ 100.000".

"Isso também viola o §1º do art. 19 do Marco Civil da Internet, que prevê que "A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material".

"As revelações dos arquivos do Congresso americano são gravíssimas. Jogam luz do sol em anos de decisões sistematicamente abusivas contra cidadãos brasileiros, nossos conterrâneos, que sofreram um grave regime de censura prévia e violação aberta e declarada de direitos fundamentais", diz Dallagnol.

"Tudo em nome da 'defesa da democracia', mas de uma democracia que serviu apenas a um lado, enquanto demonizou, perseguiu e esmagou outro. Diante de tudo isso, o nosso Congresso Nacional, em especial os nossos senadores, vão continuar calados, submissos e servis, abaixando a cabeça contra quem têm o dever de fiscalizar e de controlar no exercício do poder?"

"Ou veremos amanhã uma escalada ainda maior dos abusos, ilegalidades e ordens autoritárias, com uma nova decisão mandando inserir o Congresso americano no inquérito dos atos antidemocráticos e das fake news? Ouviremos amanhã na imprensa amiga que o Congresso americano faz parte de um conluio com Elon Musk e a extrema-direita mundial, todos parte de uma organização criminosa de desinformação?" completou.

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sao pedro