
Lembrando o Irmão José Orlando
José Orlando foi o único irmão que tive por parte de meus pais Augusto José de Mattos e Josefina Pereira de Mattos. Era o mais velho. Protegia-me dos meninos de tamanho maior do que o meu, que quisessem me maltratar em qualquer brincadeira. Inspirou-me a ser torcedor do Vasco da Gama, no tempo em que o Expressinho da Vitória era um timaço, deu oito jogadores para a seleção brasileira de 1950.
Foi aprovado no vestibular da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública de Salvador, seis anos depois era diplomado como médico por aquela instituição. Fez residência médica no Hospital Santa Isabel durante dois anos, para aprimorar o exercício da profissão como cirurgião e sua especialização em urologia. Com armas e bagagens suficientes regressou à terra natal para exercer a profissão de médico. Tornou-se em pouco tempo um cirurgião de mão cheia, operava muito, diariamente, assim aliviou e salvou inúmeras vidas.
Uma geração valorosa de médicos daquela época, anos de 1963, elevou o patamar da medicina local em excelentes níveis. Foi chamada de geração de ouro da medicina itabunense e era constituída de excelentes profissionais, como Mário Peixoto, Manoel dos Passos Galvão, Raimundo Freire, Geraldo Moura, Guilherme Belmiro, Nilton Barros, Artur e Otília Almeida, John Leahy, Simão Fiterman, Amilton Gomes, Charitas Fiterman, Jacinto Cabral, Antônio Vieira e outros. O jovem médico Orlando Mattos foi um dos destaques dessa geração singular de homens e mulheres de branco.
O irmão tinha pendores artísticos. Pintava e desenhava. Escrevia poemas, três de sua autoria participam da antologia Poesia Moderna da Região do Cacau (1977), organizada por Telmo Padilha. Entre suas leituras preferidas estavam livros de Kafka, Augusto dos Anjos, Malba Tahan, Emílio Mira e Lopez, Jorge Amado e Fritz Kahn. Foi o idealizador da Sociedade Itabunense de Cultura, entidade criada para promover salões de arte plásticas, saraus literários e musicais. A SIC realizou mensalmente eventos literários e de música clássica no auditório do edifício Helenilson Chaves, na avenida Beira-Rio. Revelou, nos salões de artes que promoveu, artistas plásticos de expressão e qualidades indiscutíveis, como Renart, Alceu Pólvora, Valuilzo e Valdirene Borges, que deram em pouco tempo voos altos no exercício da vocação.
Foi político para satisfazer o desejo de nosso pai. Não me parece que foi um passo certo em sua vida. Acima de tudo, ele nasceu para ser médico. Nosso pai queria que o filho mais novo, formado em advocacia, fosse também um político partidário e alcançasse o posto de prefeito local. Não conseguindo isso, assediou o filho mais velho para satisfazer o seu desejo. E o irmão cedeu.
Quando se candidatou a prefeito de Itabuna, ele ficou em terceiro lugar na votação geral dos cinco candidatos. Em primeiro foi o doutor Amorim, em segundo veio o populista Fernando Gomes. A legenda do MDB teve mais votos do que a da Arena. Fernando Gomes, filiado à segunda, fora eleito prefeito graças ao reforço dos votos que recebera de nosso irmão. Como gratidão, ao invés de nomeá-lo para a Secretaria de Saúde, já que era médico dos bons, inventou uma Secretaria de Turismo e a destinou para quem lhe deu os votos necessários para que se elegesse prefeito. Isso não soou bem. Coisas do amigo da onça. Não me surpreendi com a atitude do novo prefeito, sempre soube que o ser humano na rotina da vida gosta de cometer a ingratidão, a traição e a difamação.
Como secretário de Turismo, fortaleceu a festa da Lavagem do Beco do Fuxico, foi um dos fundadores do bloco carnavalesco Casados I...responsáveis, reanimou o carnaval de rua, estagnado há anos, com a criação do Carnacacau. Estava de bem com a vida quando apareceu a vassoura de bruxa e devastou suas três fazendas de cacau com produção mediana. Veio também a doença cardíaca, que aos poucos foi minando as suas forças, impedindo-o de exercer a medicina. Recolhido à vida rural, findou seus últimos anos de vida na fazenda Bela Vista.
O irmão anda esquecido, muitos nem sabem que ele foi um dos fundadores do Hospital São Lucas. Casado com a professora Celeste Cotrim, pai de três filhos: Catarina, graduada em agronomia pela Universidade Federal de Viçosa, com mestrado na UESC; José Orlando Filho, graduado em Zootecnia pela Universidade de Viçosa, e Lorena, psicóloga e assistente social, com nível superior.
Exerceu a profissão de médico na sua terra natal durante quase cinquenta anos. Foi um pai carinhoso, marido dedicado à esposa e ao lar, cidadão sério e prestativo. Por favor, não falem mal de meu irmão, divulgando inverdades, fere à família, essa conduta do mal só serve para enfeiar a vida. Sua alma precisa de repouso e paz na casa de Deus, como todos nós quando formos para o outro lado de lá.
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# Artigo do escritor Cyro de Mattos. Ficcionista e poeta, também editado no exterior. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Uesc. Autor de Os Ventos Gemedores, romance, Prêmio Nacional do Pen Clube do Brasil, e Os Brabos, contos, Prêmio Nacional Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras.
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