entrevista
22.Agosto.2015



Katiana Amorim, delegada e professora

“Me perguntam se já algemei namorado”

katiana amorim "e até se uso batom", conta a delegada Katiana Amorim, chamada carinhosamente pelos fãs do Facebook de “Katigata”, sobre o machismo que ainda existe na sociedade em relação a policiais mulheres. Ela conta que entrou na polícia “desde que nasceu”, mas só foi empossada quando passou no concurso.
      Lembra que tem foto dela posando de policial desde que as viaturas eram fuscas. Katiana é lotada na primeira delegacia, em Itabuna, e foi entrevistada pelo jornalista Marcel Leal no programa Mesa Pra 2 (quartas, 15h) da rádio Morena FM. Confira.

ML - Tem alguém na família que é da polícia?

       KA - Não e esta é minha maior dificuldade. Já tenho mais de 12 anos atuando na área e não me vejo fazendo outra coisa. Antes de entrar para a corporação ingressei na Uesc, onde ministro aula de criminologia e de Direito Penal. Como é possível conciliar os dois cargos, trabalho nos dois.

No Facebook, você posta antes de sair para o trabalho. O que chama a atenção é o entusiasmo nos comentários e o sorriso nas fotos, mesmo numa área tão árida. Sempre foi assim?

       Sempre. Costumo dizer que vou trabalhar como se fosse o primeiro dia. Mas é como se fosse um casamento. Tem momentos que está bem e outros que não está tão estimulado. Nós policiais passamos mais tempo com os colegas do que com a família.
       Então eu faço o possível para esse ambiente ficar bem, pois temos pessoas com cargos diferentes, independente da hierarquia. Não sou ninguém sem investigador, sem escrivão e eles não são ninguém sem delegado. Principalmente na rua, onde a gente se protege.

Os problemas são muito variados, não?

       Os problemas são variados, por isso não podemos ter tabus. Teve um caso que uma pessoa a ser ouvida levou um cachorro e não o largou para nada. O cão tentou me morder e latiu tanto que não conseguia ouvir a mulher.
       A gente enfrenta de tudo, inclusive abuso sexual contra idoso. Ou alguma coisa que a gente acha que é besteira, mas não é besteira para quem deu a queixa, a gente tem que resolver. Uma pessoa vai prestar queixa contra o galo do vizinho que canta as 3:30 da manhã, isso é um problema grave pra ela.

Na verdade se configura crime contra a ordem publica...

       Sim, exatamente, inclusive tenho um vizinho que também está com um galo que canta de madrugada e lembrei muito dessa mulher (risos).

Lembro das briguinhas bestas de vizinhos

       Na delegacia não tem tanto, porque é direcionada a crimes com penas maiores. Mas teve uma mãe cujo filho não quis estudar e ela quis mostrar como é a cadeia, para onde os filhos que não gostam de estudar vão. E no Brasil está complicado porque tem muita gente que estudou e deveria estar na cadeia (risos).

O que tira seu entusiasmo?

       Dentro da policia, a falta de logística. Isso deixa todos nós em desespero. A equipe que trabalha comigo é formada por pessoas comprometidas, que tentam elucidar os casos. Mas temos problemas como a falta de um tonner, que tem que vir de Salvador. Não temos autonomia financeira e por isso tudo depende de Salvador. Imagine quem mora em Barreiras...

Por outro lado, as policias melhoraram muito nos últimos tempos...

       Muito mesmo. Hoje temos dificuldade, mas quando eu entrei na Uesc meu salário era o que eu ganhava como delegada. Antigamente as pessoas diziam que foi bom eu entrar na policia porque ganhei tempo para fazer outro concurso.
       Hoje temos uma estrutura, inclusive salarial e um plano de carreira, que permite que essa seja a profissão que a pessoa quer de verdade. Um delegado classe especial hoje tem um salario bem melhor. Então é permitido que a pessoa fique na policia por vocação, porque, se não tiver vai ser difícil ficar.

Para ser delegada hoje, qual o caminho que uma garota deve seguir?

       Me perguntavam muito isso na época de uma novela e tinha uma delegada que vivia toda enfeitada, o que virou um esterótipo. As pessoas colocaram isso de que as meninas policiais são pessoas com personalidade masculina. Mas aqui em Itabuna andamos muito bem femininas (risos).
       Para a pessoa ser um delegado de policia basta que seja formado em Direito, não precisa nem ter carteira da OAB. E é preciso fazer concurso.

Você já encontrou algum caso de machismo em sua carreira?

       Muitos. E teve um caso que nunca vou esquecer. Estava na entrada do bairro de Fátima durante uma ronda noturna - que gosto muito - e tinha uns homens suspeitos de roubar uma moto. Só tinha eu de mulher e mandamos todos ficar de costas para a parede para fazer o baculejo.
       Tinha um homem sentado e pedi para ele colocar as mãos na parede. Ele virou pra mim e disse que 'não obedecia ordem de mulher'. Só sei que no final das contas ele botou as mãos na parede (risos).

Já teve algum que pediu para você fazer a revista?

       Já sim. Eu estava conversando num grupo de WathsApp de policiais sobre as frases que mais ouvimos. São perguntas clássicas, como se algum já matou pessoas. As clássicas para as policiais são para saber se já algemou namorado, se entra em viaturas, se usa batom, como vai sair quando está menstruada, com TPM ou cólicas (risos).

Os policiais se acostumaram mais do que a população?

       Sim. E hoje temos policiais bonitas, temos homossexuais e, independente de ser isso ou aquilo, se quebra um padrão de policia criado por muitos anos. Se o serviço for feito com responsabilidade e respeito, vai ser respeitado.

Você fez SWAT, não foi?

       Sim, fiz o curso três vezes aqui no Brasil, mas com instrutores de fora. Em 2010 fiz um curso no Canadá e, na primeira vez que entrei numa viatura, me sentir na Disneylândia. A viatura tem como se fosse um notebook acoplado, GPS com tela de 21”.
       A cidade tinha na época 22 milhões de habitantes e só 22 homicídios por ano. Itabuna tinha 22 por mês e olhe que o porte de arma lá é facilitado. Outra coisa, se você cerca uma casa em Ottawa, não é como aqui no Brasil, onde a Constituição permite que você entre sem mandado de busca.
       Lá precisa do mandado em qualquer momento. Mas tem juízes online, que liberam o mandado via e-mail para o policial, assinado digitalmente. Isso em 10 minuto. Aqui é mais complicado porque Itabuna é uma comarca que não tem juízes titulares na maioria das varas, e acúmulo.

Teve algum momento na sua profissão, que você se assustou?

       Teve. Quem me conhece sabe que tenho uma oração de São Jorge tatuada nas costas. É o protetor dos policiais. Há alguns anos, eu tive certeza que iria morrer, mas ai pedi a São Jorge que, se ele me tirasse daquela situação, eu iria tatuar a oração e foi o que fiz (risos).

Você já chegou numa ocorrência e encontrou um conhecido?

       Já aconteceu de eu ir prender pessoas conhecidas. É extremamente desagradável, mas o segredo é ser profissional. Em uma situação noturna, durante uma ronda, pedi para os ocupantes saírem do carro. Que situação constrangedora (risos).

O que você costuma fazer nas horas vagas?

       Quando a gente está em fase pós-operação policial, quando estamos com a identidade sem preservação, a gente deu entrevista, aí a gente se preserva muito. Após uma operação vou fazer compras, o caixa me reconhece e diz na lata. E minha “latinha”, loira com 1,80m de altura, não dá para disfarçar (risos).
       Eu gosto de ir à praia, vou à academia todo dia, restaurantes desde que seja fechado. Não temos cinema e tive que comprar um aparelho de tv bem grande. Quando quero muito ir ao cinema vou a Ilhéus. Mas não é igual ao que Itabuna tinha...

Na delegacia qual o caso mais pesado que você se recorda?

       Dois casos me marcaram muito nesses 12 anos. O primeiro foi um pai que estuprou a filha de 1 ano e dois meses. Fiz o levantamento cadavérico e o anus e o orifício da vagina viraram um buraco só.
       O outro caso foi de abuso sexual de idoso, cego e que não andava. No final da investigação, era o próprio filho, casado, com dois filhos, que morava em outra casa e abusava dele.
       Eu levo esse caso para estudo porque indivíduos com essa perversão sexual têm características bem próximas uma da outra e que é possível identificar em pessoas que não tem a “normalidade” como conduta. Eu demorei de acreditar que as provas levavam ao filho, até que ele confessou.
       Outra situação foi de uma menina de 10 anos gravida pelo padrasto. Na minha cara ele disse que foi a menina que o seduziu...

Não é fácil investigar sem recursos tecnológicos não é?

       Aqui os meninos da área papiloscópica estão avançando. Vários casos de furtos em residências são descobertos pelas digitais. A gente consegue trabalhar com o que temos, mas se fosse com o que os EUA tem, a gente ia “brocar”. Os meninos do DPT já têm luminol, que é antigo mas ajuda bastante.

A maior pare das coisas vai para Salvador?

       É, exames forenses, caligrafia... e demoram pra caramba. É isso que me tira do sério, essa falta de logística. É difícil terminar um inquérito em 30 dias, Não se consegue, porque depende do resultado de Salvador. As vezes demora tanto que quando chega a gente já se envolveu com outros casos.

Se tivéssemos uma boa logística, que porcentagem dos casos daria para resolver?

       A maior parte. Tivemos o menor índice de homicídios pela delegacia onde o delegado Marlos Macedo atua, com o apoio de Dr. Evy Paternosto. Esse serviço conjunto propiciou a Itabuna essa redução que há muitos anos não se via.

A maioria dos crimes continua ligada ao tráfico?

       Sim, o trafico é o problema central. É o usuário porque sem ele não tem venda. Para comprar a droga, ele pratica furto e roubos e. Isso traz poder pelo medo e um enriquecimento para o traficante. Então vem outro que quer aquele ponto, porque dá dinheiro, e aí tem os homicídios.
       Isso ocorre porque ou eles devem drogas e não têm como pagar, e o julgamento é ligeiro, ou são indivíduos que estão devendo drogas e vão pegar droga em uma boca rival, em troca dando informações da boca anterior. Por conta desse fuxico ele morre. A terceira é a guerra por territórios.

Por que não se consegue chegar no fornecedor principal?

       Porque o fornecedor maior tem características especificas. O primeiro tem hierarquia forte, o subordinado tende a pagar com a vida para proteger o superior. Em seguida o crime organizado tem forte ligação com políticos.
       Esses cargos protegem os indivíduos de certa forma. Principalmente parlamentares, que têm imunidade. Além disso eles fazem serviços dentro da comunidade. Essas são supridas em suas necessidades básicas, em cima das omissões estatais.
       As grandes comunidades patrocinadas pelo tráfico tem sistema de iluminação, saneamento básico, segurança, porque não entra ladrão. O tráfico protege toda a comunidade e, não se iluda, isso acontece bem perto da gente.

É outro governo então?

       É um estado paralelo. Ai pergunto, como a gente vai lutar contra tudo isso? E depois não é só a Policia Civil que não tem estrutura. Falta essa estrutura em outras áreas. Temos hoje drogas que vêm de Cárcere (MT), da Bolívia.
       A nossa Policia Rodoviária Federal, por exemplo, tinha que ser melhor estruturada para ter um policiamento ostensivo nas rodovias. A droga de qualidade vem de fora. Por isso que digo que se tivéssemos a estrutura que os EUA têm, não ia sobrar pra ninguém.


 
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