entrevista
13.Setembro.2014



Anna Aragão, coordenadora de busca de órgãos

“Muita gente tem preconceito quanto a doar”
transplante afirma a enfermeira Anna Aragão, que atua na Coordenação do Sistema Estadual de Transplantes da Bahia e coordena a Organização de Procura de Órgãos regional no Hospital de Base Luis Eduardo Magalhães em Itabuna.
      Ela foi ao programa Mesa Pra 2 (Morena FM, quartas, 15h) junto com a transplantada Janaina de Souza e uma paciente que ainda espera na fila, Alessandra Maria da Silva, para um bate papo com o jornalista Marcel Leal. Confira.

ML- Como você entrou nesta área?
       Anna - Sou enfermeira e há sete anos estou à disposição do Ministério da Saúde, à frente do setor de transplante em Itabuna. Eu trabalhava na Dires de Ilhéus e o coordenador estadual de transplante da Bahia estava à procura de uma enfermeira qualificada para ajudar na logística.
      Ele me convidou e eu disse que estava me aposentado. Mas depois que assistir uma palestra sobre o transplante, me apaixonei e estou nisso até hoje.

Como o funciona o processo de transplante?
       O primeiro passo é ser um doador. É preciso que avise à família que é doador. A equipe responsável aciona a família e, se estiver confirmado o óbito por AVC ou morte cerebral, e se tiver condição de doação, oferecemos toda a logística.
      A central em Salvador é comunicada, uma equipe vem, faz a captação e distribui no estado. O transplante só e realizado em Itabuna ou Salvador.

Quais são os órgãos que podem ser doados?
       Fígado, rins, córnea e coração. Os grandes centros aproveitam quase tudo, fígado, rins, córnea, coração, pâncreas, até pele e osso. Aqui em Itabuna transplantamos rins e córneas. Já temos 114 transplantados e 250 pessoas aguardando na fila. Esse numero aumenta a cada dia, mas não existem privilégios para um ou outro paciente.
      Quem teve rejeição do órgão e precisa de outro volta para a fila. Temos uma legislação que nos protege e só fica no programa o profissional que tem ética e competência.

Como se faz para entrar na fila?
       É o médico quem avisa que o paciente é renal crônico e precisa de transplante. Tenho um caso na família. Minha mãe foi transplantada em Salvador e estamos na fila para outro transplante por causa da rejeição.

Existe transplante de pessoas vivas?
       Sim, uma parte do fígado, parte do pulmão e os rins podem ser doados por pessoa viva. Aqui na região só se faz transplante de rins. Em Salvador faz-se transplante de fígado e rins.

Janaina, você é transplantada. Como era sua vida antes disso?
       Janaina - Era um pouco difícil. Nunca sabemos como ou quando vamos sair de uma maca. Existe toda uma dieta, inclusive de liquido, seja suco, água ou café. Quem tem problema renal como eu não urina e por isso as toxinas ficam no corpo. Era uma sensação ruim, parecia que estava grávida por causa do enjôo.
      Não podemos comer gordura e era ruim para tudo. Na época estava com 17 anos, fiquei debilitada, tive problemas no coração, usei cateteres, ainda enfrentei repulsa porque as pessoas não conhecem e pensam que é Aids.

Quanto tempo você ficou na fila de espera?
       Passei cinco anos esperando um transplante depois de três anos na hemodiálise. É um processo difícil e complicado. Eu fazia duas vezes por semana, durante quatro horas seguidas.

As pessoas tem medo de ser doador?
       Anna - A pessoa que não conhece o processo de doação não doa. Então a gente está sempre fazendo campanhas, esclarecendo. Quem dá um pedaço de fígado, pulmão ou rim, fica bem, porque os órgãos se regeneram. Mas é preciso ter uma saúde boa, não ser fumante.
      Doar não faz mal a ninguém e só faz bem a quem recebe. Temos 50 mil pessoas no Brasil aguardando um transplante. O processo não é complicado e sim complexo. É preciso ter uma equipe médica e de apoio qualificada.

Onde funciona o setor de transplante em Itabuna?
       Temos a Organização de Procura de Órgãos no Hospital de Base Luis Eduardo Magalhães desde 2011. A organização vem acompanhando o trabalho do transplantando, organiza e apoia o trabalho de educação continuada e captação.

Aguardar ou saber que apareceu um doador mexe com a cabeça também?
       Janaina - Mexe sim e muito, principalmente quando sabemos que existe um doador, ficamos muito ansiosos. Gostaria muito de conscientizar a importância de doação de órgãos, porque a de um falecido é vital para quem aguarda na fila de espera.

Ainda existe preconceito quanto à doação, como é feita a conscientização?
       Anna - Não basta apenas vontade política. É preciso ter conhecimento partindo ds escolas, dos profissionais de saúde e repassar para a população. Muitas pessoas ainda tem preconceito, por questão da religião ou do próprio medo, mas quando se conhece o processo, a pessoa passa a ter uma visão melhor.

Existem verbas para o setor?
       O SUS financia 95% da captação e do transplante que acontece no país. A Bahia vem trabalhando para melhorar ainda mais o processo. A Secretaria de Saude de Itabuna também tem se empenhado bastante para a melhoria do serviço na região.

Existe alguma restrição para quem é transplantado?
       Não existem grandes restrições para quem faz transplante, mas é preciso ter acompanhamento constante, usar os medicamentos recomendados, não usar bebida alcoólica e cigarro e não ter vida sedentária.

Algumas pessoas da área de saúde também têm preconceito sobre a questão de doação?
       Sempre tem, porque não tiveram oportunidade de conhecer o sistema. Quando se conhece começa a administrar de uma maneira mais flexível.

Você, Alessandra, que faz diálise, pode viajar?
       Alessandra - Eu não posso viajar a não ser que na cidade para onde eu vou tenha diálise agendada. O preferencial é viajar de avião, porque a viagem é mais curta. De ônibus corremos o risco de passar mal durante a viagem. As pernas incham, a pressão altera.

Quando começou a programação de conscientização, Anna?
       Anna ­- A programação foi iniciada no inicio deste mês e vai até 27, o Dia Nacional da Doação. Estamos trabalhando com palestras nas escolas, nas unidades de saúde e outros departamentos. Normalmente levamos algum paciente que recebeu transplante e isso é uma experiência boa.

Quanto tempo dura o processo de transplante até a alta?
       Janaina - De quatro a cinco dias para a alta, mas depende de como está o quadro. Após a cirurgia o paciente vai para a UTI, por questão de segurança. Também se usa a sonda enquanto permanece no hospital. Em casa, tem algumas recomendações do médico e a medicação indicada.

O que uma família de doador precisa saber?
       Que aquela pessoa em vida demonstrou o desejo de ser doador. A gente entende que uma família sofre por perder um ente querido, mas tem outra que também está triste porque pode perder o seu. Um doador pode salvar sete vidas.

Existe um momento mais difícil no processo de doação?
       O momento mais difícil é quando se faz a entrevista familiar. Envolve todos os sentimentos. Pensamos na acolhida do paciente, se ele foi bem recebido e atendido no hospital. São emoções que se misturam. O primeiro passo é a entrevista familiar, que oferece a opção de doação.

Existe limite de tempo para a doação?
       Existe sim, e se for morte cerebral não se pode perder tempo. Os órgãos tem que ser bem conservados, senão se perdem. Assim que a família diz o sim, o corpo é levado ao centro cirúrgico e o procedimento é igual a qualquer outra cirurgia. É bom que fique claro que o corpo não fica desfigurado. A família recebe o corpo arrumado para o velório.

Qual o transplante feito em Itabuna?
       O transplante de rins, no Hospital de Base e o de córnea no Hospital Beira Rio. Estamos caminhando devagar, mas com esperança de chegar onde almejamos.

A pessoa que recebeu um transplante, quando morre, pode ser doadora também?
       Pode sim, depende da situação dos órgãos. Tem pessoas que já receberam doação há mais de 30 anos e vivem bem até hoje. Temos o caso de uma sogra que doou rins para o genro. Isso é um gesto de amor e de solidariedade.

Temos transplantado de todas as idades?
       O Dr. Vitorino, que mora em Ilhéus, tem quase 80 anos e 12 de transplantado. Ele vive tranquilo, toma cerveja, come acarajé. Sempre existe o risco de um paciente rejeitar o transplante, logo depois da cirurgia ou depois de um tempo. No caso da Alessandra, levou um anoo e meio.

A equipe medica que faz o transplante tem formação diferente?
       Ela precisa ter especialidade. Aqui em Itabuna temos os doutores Fernando Cruz, Neide e Almir Alexandrino que estão com a gente desde o começo. Eles também participam de palestras. Para transplante é preciso ter ética e capacidade.

Quantas pessoas integram a equipe medica?
       Tem uma boa equipe com o doutor Mesquita, Adriana Aragão, Neide, Carolina Barreto, mais enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais, tanto no Hospital de Base quanto do Calixto Midlej.

Os órgãos doados são apenas para a região ou para a fila nacional?
       A prioridade é nossa região. Se não tiver paciente com a compatibilidade, vai para a fila nacional. Ai é tudo muito rápido e envolve inclusive a Força Nacional. Quem abre a fila é o Ministério da Saúde, mesmo a nossa.

Já houve casos de recusa do transplante por questão religiosa?
       Soubemos que as Testemunhas de Jeová não doam por causa do sangue, não doa nem recebe. Mas hoje tem vários que estão aceitando receber órgãos. Até a hemodiálise já estão aceitando.

A hemodiálise dói?
       Janaina - É desconfortável, afinal, são quatro horas seguidas. A gente entra ali e às vezes pensa que não vai sair mais, dá até falta de ar por causa da pressão alta. É um tratamento muito delicado. Anna - Quem desejar conhecer melhor o processo de doação pode ligar para mim pelo telefone 8849 -1234.


 
compre fazenda
Anuncie aqui: (73) 3043-8941


Copyright©1996-2014 A Região Editora Ltda, Praça Manoel Leal (adami), 34, 45600-023, Itabuna, BA, Brasil | Reprodução permitida desde que sem mudanças e citada a fonte.