entrevista
18.Abril.2015



Gideon Rosa, ator e diretor teatral

“Artistas são covardes e não lutam por nada”
gideon rosa afirma Gideon Rosa, em uma entrevista arrasadora. Ele já atuou em peças de teatro, longa metragens como Tieta e Central do Brasil, séries de televisão como Compadre de Ogun e Marcas da Paixão, além de ser jornalista durante algum tempo.
      Formado em Comunicação e Mestre em Artes Cênicas pela Escola de Teatro da Ufba, Gideon se dedica hoje aos projetos do Instituto Macuco Jequitibá e à coordenação artística da Casa de Cultura Jonas&Pilar, que está revivendo a tradição cultural de Buerarema.
      Ele conversou com Marcel Leal no programa Mesa Pra 2 (quartas, 15h), da rádio Morena FM 98, sobre cultura, teatro, música e as carências culturais no sul da Bahia. Confira.

ML - Você está com um projeto cultural em Buerarema?
       Sim. Me juntei com Marcelo Ganem, ele pegou o casarão da família e transformou em um Centro Cultural. Em dois anos estamos colhendo frutos. A comunidade está satisfeita, pois acha que é o vetor da educação no município.
      Temos feito teatro, leitura dramática, ensaio de capoeira e os meninos do Mais Educação também fazem parte. Esperamos financiamento para trabalhar uma parte do que considero social. Com um pequeno quintal é possível sobreviver com pequenas ações.
      Aqui as pessoas são pobres com muitos hectares. Estamos fazendo curso para ensinar a cultivar arvores frutíferas e transformar em negócio, não ser predador da natureza. Conseguimos fazer um teatro de bolso e a arte é a chave do bolso.

Buerarema sempre teve artistas fantásticos, mas a cidade ficou anos parada nessa área...
       Na década de 70 fizemos novelinha gravada, jogamos em rádios de Itabuna, tínhamos um tablado literário e Ramon (Vane) me disse que eu iria fazer teatro. Fiz o primeiro texto, ensaiei na sala e minha avó começou a rezar o “crendeuspai”, achando eu estava possuído pelo diabo (risos).

Houve um vazio em Buerarema e Itabuna. Faltou tudo por aqui.
       Itabuna só tem a lamentar. Não temos nem um teatro de bolso. O mais terrível é o silencio e a autoestima lá em baixo, sem teatro, cinema. Como uma cidade pode estar satisfeita com uma situação tão adversa? Como é possível só ter uma livraria e quase ninguém entrar?

Uma pesquisa diz que 70% das pessoas não leem livros, não tem incentivo na escola...
       As pessoas deviam se envergonhar quando são incapazes de levar conhecimento de qualidade às pessoas em sala de aula. As escolas estão indo para outros caminhos e a chave para voltar é a leitura. Existem vários mecanismos para a retomada.

Estamos num processo de repetir erros com novos professores dando aula sem saber escrever direito.
       Eu conheço esse processo. Temos alguns amigos que estão voltando à região. Tem um assunto na área da cultura que já discutimos desde a década de 80, querendo saber qual a dificuldade em se fazer um circuito cultural pelos centros do estado.
      Eles estão desativados, como o de Itabuna. Se fosse feito um circuito no mínimo seria uma provação à comunidade local. Essa comunidade é muito orgulhosa e ia querer se equiparar se chegasse alguém de fora.

Existe coisa mais terrorista do que fazer cultura hoje em dia na região?
       O Palco Grapiuna tem esse desejo de provocar as cidades do entorno de Itabuna e fazer o circuito. Conseguimos com cinco cidades, recebendo pequenos espetáculos que podem se apresentar em qualquer parte, para que a comunidade comece a ter orgulho de si própria.

Já vi pessoas que achavam que o teatro era chato sem ir. Depois que viram, adoraram.
       Tem gente que acha teatro caro, mas o preço do cinema é uma fortuna, da cerveja também. No nosso palco assistimos 4 peças que circularam por Uruçuca, Itajuípe, Ubaitaba e em Buerarema no nosso pequeno teatro. Queremos fazer formação de plateia, vamos esticar até 3 de maio a R$ 2.

Acho que formar plateia é uma obrigação do poder público. Em São Paulo tinha uma Kombi que vendia ingresso barato e doava outros para escolas. Era um público enorme.
       Uma vez por ano, na Semana Nacional do Teatro. Nesse sentido, faremos justiça a Buerarema. Temos um convenio com a Secretaria de Cultura que cobre as despesas básicas. Isso permite que façamos varias atividades, como leitura dramática para formar plateia e não apenas teatro popular.

Em outros países o governo financia e fomenta a cultura. Aqui é mais difícil?
       Tem essa mentalidade do governo brasileiro de não financiar a arte e achar que é para a elite. É uma ignorância enorme. As leis de incentivo são para milionários fazerem peças caras. O papel do estado acaba sendo zero para quem precisa. Isso é um desvio da Lei Rouanet.
      Eu sugeri algo que resolveria essas questões. Entrou por um ouvido saiu por outro. Por exemplo, vou permitir que um cartão de crédito patrocine o Rock in Rio. Tá bom, pode dar os R$ 30 milhões para o Rock in Rio, mas antes é preciso se qualificar e você vai ter que financiar “x” projetos pequenos.

Os governos de direita, esquerda ou de centro ainda tem preconceito à cultura.
       O que não acontece no estrangeiro. Tem grupos de atores que fazem três a quatro peças por ano. Cultura é revolucionaria, abre os olhos, os ouvidos e faz com que a população enxergue os políticos de outra forma. Eles têm medo disso. Ai a gente tem que provocar a população.

Você tem umas 55 peças, novelas e filmes. Sentiu diferença entre TV, cinema e palco?
       A ambição de todo ator é transitar bem nessas linguagens. Gloria Pires, por exemplo, não consegue fazer teatro, aí faz cinema. Minha base é teatro e eu sofri para fazer cinema. No teatro você tem um tempo de preparação de 60 dias. E descobre coisas, porque tem tempo.
      Na tela, você tem que estar pronto, o que exige uma rapidez do ator. Quando se diz “valeu”, tem que ser feito. Acho que os artistas deveriam começar pelo audiovisual. As linguagens são diferentes, mas depois de um certo tempo só faz bem.

Você tem perspectivas de a gente melhorar a cultura por aqui?
       Eu sou pessimista. Acho que os artistas grapiunas são uns pedintes. Tem uma tendência a esmolar coisas. Isso é pavoroso. Um artista tem que ter orgulho do produto dele. Fiz uma peça com um artista de Itabuna e outro de Buerarema e os vi pedindo “ajuda” na rua.
      Comigo não. Acho que falta um pouquinho de cérebro para planejar projetos e entrar nos editais. Aqui não tem ninguém que elabore projeto técnico. Agora mesmo tenho uma informação que me assustou. A Ficc trocou de presidente e parece que vem alguém do PT de Salvador.

Nossa região tem atores como Jackson Costa e Oswaldinho Mil que provaram seu valor lá fora.
       Outro é Fábio Lago, que surpreendeu em suas atuações, inclusive no filme Tropa de Elite. Tem uma historinha interessante de quando atuei ao lado de Fernanda Montenegro, no Central do Brasil. Eu ousei, fui até ela, e ela bateu bola comigo numa simplicidade...
      Uma mulher daquela estatura sem qualquer reserva ou vaidade. Por isso digo que somos um mero produtor de matéria prima em arte. Não temos mercado de produção. Precisamos refletir e reestruturar os farrapos. Mas a arrogância termina anulando isso.

Você vê possibilidade de unir o pessoal para convencer os governos num projeto de cultura?
       Acho que não. Os artistas são individualistas. Ainda mais com a noticia de que não haverá edital na Bahia este ano. O governo da Bahia continua a usar o Conselho de Cultura para aparelhar o órgão. Este ano o conselho não promoveu um encontro sequer. E não vai se reunir.

Essa atitude “carneira” dos artistas veio do paternalismo de políticos como ACM, por exemplo?
       Olha, eu não sei responder com objetividade porque a historia é recente, mas é mais ou menos parecida. No Rio de Janeiro, a dança teve uma explosão, com uma atitude simples de um governo municipal nos anos 90, que entregou casarões abandonados aos grupos pequenos.
      Em Itabuna existem prédios antigos em ruínas. Se a política cultural quisesse fazer alguma coisa, colocaria os grupos nesses prédios e obrigaria os artistas a se organizar em busca de financiamento. O Brasil está cheio de financiamento privado.
      A Coelba a Bahiagas eram grandes investidores no Faz Cultura e o governo passou a mão. Foi um golpe no sistema, uma aberração. Os artistas são covardes, não gostam de falar desse assunto com medo de perder pequenos patrocínios.
      Eu fiquei persona non grata porque “piquei o pau” em Márcio Meireles e depois disso nunca mais ganhei patrocínio. Mas dormi bem. Olha os pontos de cultura que não funcionam. Buerarema tem esse ponto e quase ninguém sabe. Se fizer um levantamento, você fica escandalizado.


 
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